quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

A história de Ricardo

Organizando uns documentos encontrei um texto que escrevi quando tinha uns 15 anos, é engraçado ler o que escrevemos depois de alguns anos...

Nasce Ricardo, uma criança linda, saudável, que teria toda vida pela frente não fosse o desejo do destino. Nasceu em um lar desfeito, um lar de dor, dor essa que sua mãe sentia na pele todos os dias sempre que seu pai chegava em casa.
 Ricardo também sentiu dor ainda no ventre de sua mãe, isso eu sei porque junto a Ricardo na caixa de papelão que foi deixada no hospital onde trabalho, estava um bilhete, triste bilhete, que contava toda a história. A dona daquele ventre saudável mas com uma vida sofrida e com a alma angustiada tentou matar o feto ainda informe por três vezes e por um milagre não conseguiu. Cuidamos dele por meses, até que conversando com um amigo, o Marco Antônio meu vizinho, descobri que havia encontrado o pai perfeito para Ricardo. Antônio,   um homem de posses, estudado, viúvo e sem filhos, achou a ideia ótima e após algum tempo, o tempo que leva para acertar a papelada para a adoção, Ricardo agora tem pai.
A infância de Ricardo foi linda e na adolescência desfrutou com todo o direito a liberdade da fase mais linda da vida. Lembro-me do dia que Antônio levou Ricardo para conhecer o mar, ele ficou enfeitiçado pela primeira visão do oceano. Essa viagem fizeram por muitas vezes, eles adoravam ver o mar à noite com seus barcos e suas luzes tênues como uma pequena luz vermelha no céu negro. Mas nada na vida é sempre feliz e foi exatamente assim com esses dois, como se a felicidade tivesse um prazo de validade e que mais dia ou menos dia a data final chegasse e não pudéssemos desviar de um destino insuportável.
Ricardo adoecera, uma doença degenerativa, incurável que fez aquele corpo forte, jovem com seus 23 anos fosse aos poucos envelhecendo, fazendo com que os 23 anos se transformassem em 46 em apenas dois meses.
Antônio gastou o que tinha e o que não tinha na luta pela vida de seu filho tão querido mas de nada adiantou, a morte era certa e dentro de alguns meses Ricardo não estaria mais conosco.
_Então se a vida é curta, que vivamos com intensidade! Era assim que Antônio pensava e foi assim que ele fez na vida de Ricardo, com o pouco que lhe restava, fez com que Ricardo vivesse de forma intensa e aprazível, pelo menos no que era possível.
Passeavam juntos, era primavera, de vez em quando uma chuva leve vinha regar as flores e a mente. Um desses passeios seria o último? Como saber?
Almoçavam, juntos,  conversavam, estavam todo o tempo juntos como uma despedida, o que era realmente, precipitada pelos infortúnios que a vida traz. Antônio tentava fazer desses momentos, momentos felizes mas Ricardo sempre percebia quando o pai olhava triste de forma fixa para a toalha da mesa.
_ Pai, quero me despedir do mar. Esse foi o último pedido de Ricardo, ver o mar e os barcos fixos no Pier à noite com suas luzes vermelhas no céu negro de uma escuridão tão grande como a visão de Ricardo e seu Adeus.
Antônio volta para casa, infeliz, incompleto em um trem de vagões vermelhos sobre uma grande ponte de pedras, vendo passar minúsculos pontos que eram as casas da cidade que Ricardo tanto amava. Já em casa Antônio decidiu despedir-se também dos pertences de seu filho e entrou no quarto em que raramente entrava (são assim os quartos dos filhos, áreas perigosas e proibidas aos pais) e encontrou um livro surrado sobre uma mesa ao lado de um abajur de luz branca, onde leu:
_ Despeço assim de meu pai, o homem que me salvou, que me colheu pra si e me deu uma vida que nunca teria, me ensinou coisas que guardo comigo e me fez sentir algo tão grande e tão lindo que nada supera ou compara, o amor e gratidão de um filho por seu pai. Te amo pai!

Um comentário:

  1. Escreveu aos 15? Parabéns! É uma triste, mas linda e comovente história.

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